"Nunca usei um par de sapatos que não fosse feito nesta casa"

<b>Carlos Santos</b> diz que é ambicioso desde os 10 anos e que sempre sonhou alto. O ex-funcionário da empresa de São João da Madeira, que um dia acabou por comprá-la, assina sapatos que podem custar o mesmo preço que umas férias de luxo. É o único fabricante português de calcado topo de gama e a marca, cem por cento nacional, disputa mercado com as melhores do mundo.
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É comum dizer que as mulheres adoram sapatos. E os homens?

_A relação dos homens com os sapatos mudou muito nos últimos trinta anos. Hoje um homem sabe que um mau sapato estraga a imagem. Nenhum fato, por muito bom que seja, resiste a um mau sapato.

Qual é o perfil do seu cliente?

_É um homem que sabe o que quer, que gosta de sapatos, que privilegia a grande qualidade e o design. A estes atributos junta-se a disponibilidade financeira, mas não tem de ser rico. É seguramente um homem exigente.

Produzem três linhas. O que as distingue?

_A linha Green Label, a mais acessível, vai buscar inspiração a um look mais casual e fashion. Há oito anos, criámos a Santos by Carlos Santos, uma linha muito rica em pormenores, e depois a joia da empresa: a Carlos Santos Handcrafted - uma coleção pequena de design sofisticado com produção tradicional, cuja técnica utilizada está associada à haute couture. A produção é cem por cento portuguesa e os materiais utilizados são escolhidos criteriosamente.

Qual é a tradução dessas três linhas em preços?

_A linha Green Label, a mais acessível, ronda os 300 euros, a Santos by Carlos Santos, cerca de 450 euros, e a primeira linha, a Handcrafted, tem preços a partir dos 600 euros. Nas peles exóticas, os preços são elevadíssimos, podendo chegar aos cinco mil euros.

O que leva um homem a comprar sapatos de cinco mil euros?

_Pessoas especiais. Gostam de sapatos, não os calçam todos os dias e calculo que sejam colecionadores.

Esse sapato é feito de que pele?

_É todo feito de crocodilo.

Há sapatos seus de crocodilo à venda em Portugal?

_Não. E mesmo na Europa são poucos os clientes que os vendem. Temos um cliente na Alemanha e outro em França e pouco mais. Em contrapartida, os africanos, os árabes e asiáticos adoram. A nossa cliente em Luanda vende bem. Aliás, se não fossem os angolanos, em Portugal o comércio de luxo estaria também a sentir a crise. São os maiores consumidores.

99,9 por cento da vossa produção é exportada. Quais são os vossos principais mercados?

_Sobretudo a Europa, e depois o Japão e os Estados Unidos. Há cerca de um ano apostámos nos EUA e já estamos a vender com muito boas perspetivas de crescimento.

Qual é a capacidade de produção da fábrica?

_Aqui nesta fábrica fazemos cerca de noventa mil pares de sapatos por ano. Para a private label, fazemos subcontratação. Na linha de luxo fazemos umas centenas largas mas tudo o que vá acima dos trinta pares por semana quebra a produção. Quando é necessário fazer mais, organizamo-nos de modo a corresponder à procura.

Em termos de faturação, tem sentido a crise?

_No ano passado a faturação cresceu. Não tanto pelo volume de vendas mas sobretudo porque há um valor acrescentado que resulta de estarmos a vender mais a nossa marca. Ainda temos clientes private label, de há muitos anos, mas a tendência é para apostar cada vez mais na nossa marca. Todas as sinergias estão mais concentradas nesta estratégia.

E quanto faturaram no ano passado?

_Posso dizer que comparando o segundo semestre deste ano com o do ano passado nota-se alguma retração na Europa, mesmo na gama alta. Por muito dinheiro que se tenha o ambiente não é propício a gastos desnecessários e visíveis. Apesar disso, tivemos de facto um aumento na faturação mais por via do valor acrescentado e não pela quantidade de pares vendidos.

Trabalham num regime de agenciamento. Quantos agentes têm?

_Atualmente cinco. Mas queremos e estamos a trabalhar para encontrar mais.

Que lojas em Portugal vendem os vossos sapatos?

_Quatro, apenas: Lisboa, Cascais e duas no Porto. A linha de topo não é vendida em Portugal.

E no estrangeiro, têm lojas vossas?

_Temos uma em Luanda (não é nossa, é de um cliente) e outra, mais antiga, em Bruxelas. Há uns 15 anos, tivemos uma em São Petersburgo mas não resultou. Gerir com tanta distância e sistemas que desconhecemos e não controlamos é muito arriscado.

Fazem sapatos por medida?

_Só como exceção, numa situação especial. Não estamos abertos ao público.

Para quem é que já abriu essa exceção?

_Temos muitos ministros deste governo e do anterior que conhecem bem os nossos sapatos.

Cobra ou oferece?

_Cobro.

Quem neste governo calça Carlos Santos?

_Miguel Relvas, Miguel Macedo, o ministro da Economia, o atual e o anterior - Manuel Pinho tem vários pares. Sei que o Durão Barroso também usa. E também já cá estiveram primeiros-ministros.

Quem gostaria que os usasse?

_Mourinho. Tem carisma, tem sucesso e é exigente. Gosta de ser português e valoriza a sua identidade. Atributos com que me identifico e que coloco na marca Carlos Santos.

O que torna os seus sapatos especiais?

_O toque, o conforto, a qualidade e o design. Os nossos sapatos falam por si. Não precisamos de muitos argumentos para convencer os nossos clientes.

A qualidade deteta-se em que pormenores?

_Quando se compra um sapato deve olhar-se para a pele e para a sola. Olhar e tocar. É muito importante tocar no sapato para verificar a qualidade dos materiais e dos acabamentos. Os nossos clientes conhecem bem o produto e a marca. Mostramos-lhes todo o processo e envolvemo-los no desenvolvimento do produto e, por isso, estão habilitados a prestar informação ao público sobre a qualidade da peça.

Quanto tempo é preciso para fazer um dos vossos sapatos?

_É difícil quantificar, mas posso dizer que cada sapato implica mais de duzentas operações.

Quantos operários são necessários para executar essas tarefas?

_Cento e tal pessoas. Fazemos alguma subcontratação mas apenas para a private label.

Um sapato passa por quantos operários?

_Passa por todos. Cento e tal.

Pode dizer-se que os vossos sapatos são feitos à mão?

_À mão com a ajuda de máquinas. A máquina apenas auxilia e permite fabricar em quantidade. Mas a mão do artesão é imprescindível, mas existem de facto operações que só a máquina consegue executar.

Usam o sistema de fabricação Goodyear. Fale-me um pouco dessa técnica.

_Começou por ser utilizado nos países nórdicos e em Inglaterra e eu costumo dizer que um Goodyear é o Rolls Royce dos sapatos. É um sistema que exige mão-de-obra muito qualificada porque quando é mal feito vale zero. Por outro lado, é um sistema que valoriza o sapato quer no seu look quando se compra quer no look que se mantém por muito tempo quase inalterado devido a essa mesma construção. Esta empresa tem 70 anos. Começou por fazer sapatos à mão. Mantém a tradição, juntando-lhe o que há de melhor na evolução tecnológica.

Os trabalhadores recebem a formação aqui, na fábrica?

_Esta fábrica é uma escola. Eu aprendi tudo aqui e tal como nessa altura ainda hoje são os mais velhos que ensinam os mais novos. Nunca me dei mal com este método. Quem chega aprende com quem está cá há anos. E hoje a maioria dos trabalhadores tem uma média de idade muito jovem e na maior parte dos casos falamos de primeiro emprego.

Diz frequentemente que esta é uma empresa familiar. Sabe os nomes dos seus empregados?

_De todos.

A crise obrigou a despedimentos?

_Não. Contratámos até mais funcionários. E gostaria que assim continuasse. Lamentavelmente, temos políticos que falam de cor, que não conhecem a realidade. Em relação a eles já me deixei de cuidados ou medo de ferir suscetibilidades. Acho que o país merecia uma revolução. Esta gente que está à frente do país tem de ser responsabilizada.

Fabrica produtos de luxo, tem mão-de-obra qualificada. Paga bem aos seus empregados ou tem aqui trabalhadores a salário mínimo?

_Só recebe o salário mínimo quem acabou de chegar. Os outros salários são acima da média. Deveriam ganhar mais? Penso que sim, mas a carga fiscal é brutal para trabalhadores, empresários e empresas. Só lamento que o Estado peça tanto a trabalhadores e a empresários e faça tão pouco. Hoje estamos todos zangados com os políticos: empregados e gestores já não aguentam mais.

O que acontece quando é detetado um defeito?

_Isso é o que mais me irrita. Fico mesmo muito zangado pois penso logo no meu cliente e no quanto ficaria desagradado com o sapato e com a marca.

É o Carlos quem fiscaliza?

_A fiscalização passa por muitas pessoas. Em todos os ciclos de produção temos placards a dizer que obra com defeito para imediatamente, não avança. É uma forma de evitar custos de produção. Mas por vezes isso não acontece. Há uns dias recusei cinco ou seis pares de sapatos. Nessas alturas fico bastante exaltado. Não tanto quanto há uns anos, agora estou mais ponderado.

Seis pares de sapatos estragados significou um prejuízo na ordem de que valor?

_Mais de oitocentos euros.

Como define os seus sapatos?

_São um clássico inovador, para não dizer só clássico. Basta dizer que o nosso sapato faz o ano todo - vai de janeiro a dezembro. Tem uma caraterística clássica-contemporânea. Inovar neste método de fabrico é muito difícil e principalmente porque queremos manter o espírito e a filosofia da marca aliada à elegância do clássico.

Não se deixam influenciar por tendências?

_A primeira reunião antes de iniciar a coleção é feita no estrangeiro. Num país diferente. Aproveitamos o ambiente diferente para captar tudo quanto for possível; desde ideias dos agentes, estilistas, a inspirações que surgem dos momentos. Um modelo que passa na rua, um automóvel mais atrevido ou uma garrafa de vinho pousada numa mesa de um grupo masculino bem calçado são podem dar asas à nossa imaginação. Além disso, reunimos duas vezes por ano aqui na empresa com os nossos agentes e com os nossos estilistas - um italiano e um francês - para integrar as tendências e as necessidades que os retalhistas vão passando ao longo da época.

Não encontra em Portugal estilistas à altura?

_A moda é definida em França e em Itália. É lá que os estilistas portugueses vão beber. Nós preferimos ir diretamente à fonte.

Mas trabalham com a «rédea solta»?

_Nem pensar. Temos um produto que não pode mudar de um momento para o outro. O conceito-base tem de estar sempre presente. A nova tendência é expressa num ou noutro pormenor. O nosso sapato é tradicional. Com evolução, é certo, mas a tendência não é o essencial.

Design ou conforto?

_Os dois aspetos são muito importantes. E ambos têm de ser marcas do nosso sapato.

O que torna um sapato confortável?

_Cada forma tem medidas cuidadosamente estudadas e testadas para as várias partes do pé. A técnica para estas medidas tem ainda de ser pensada para adaptar vários tipos de pés dos nossos diversos mercados. Além disso, os próprios modelos são ainda adaptados da melhor maneira às diferentes formas para evitar pressões ou desconforto. As peles também são um elemento de distinção no que se refere a conforto. Umas são mais maleáveis do que outras, mas também estas são estudadas mediante o tipo de sapato que vamos executar.

Onde vão buscar a pele?

_A França e a Itália, onde estão os nossos estilistas. Há muitos anos, Portugal teve boas fábricas de pele mas, infelizmente, não evoluíram e acabaram por se perder. Hoje em dia há uma ou outra fábrica capaz de fornecer em quantidade mas sem a qualidade que um produto de luxo exige. E por isso importamos.

Os sapatos passam por quantos ensaios?

_Todos os sapatos são experimentados por mim. Por isso é que todas as amostras são do meu número. Mas antes disso o sapato passa por vários ensaios. E basta a experiência para perceber em que estilo de pé se enquadra melhor: no francês, no anglo-saxónico ou no alemão e americano.

Como é um pé de estilo francês?

_Um pé mais magro e elegante. Os ingleses têm pés mais largos e os alemães pés mais cheios. O pé holandês e o americano são largos e baixos.

E como resolvem esses problemas?

_Nunca conseguimos resolver todos estes problemas e portanto usamos uma medida intermédia de forma. Por exemplo, para os Estados Unidos iniciámos com uma forma base e só avançaremos para mais se o mercado o exigir.

No mercado, que argumentação usa para «combater» o sapato italiano ou o francês?

_O meu argumento é simples: são os próprios italianos e franceses que dizem que o nosso sapato é melhor do que o deles. Nas feiras, de Milão a Nova Iorque, vêm dizer-nos isso regularmente. Os nossos concorrentes sabem quem nós somos. Mas infelizmente um produto italiano apresenta um valor acrescentado só por ser italiano. No mínimo. É verdade que os produtos portugueses estão a ganhar reconhecimento internacional mas ainda é uma luta difícil.

Quem são os vossos principais concorrentes?

_Apenas quatro ou cinco marcas estão ao nosso nível - a italiana Santoni e as inglesas John Lobb, Croquet & Jones e Church"s. Estas são as que têm uma expressão mais forte. São concorrentes na qualidade, preço e prestígio.

A ausência de concorrência interna ajuda ou prejudica?

_Quanto mais rico for o país melhor para todos e maior reconhecimento internacional consegue. Portanto, a concorrência interna seria muito bem-vinda mas ainda estamos na cauda da Europa.

Fazem edições limitadas?

_De longe a longe, na gama de luxo. Cinquenta pares numerados e assinados por mim.

Quanto tempo de vida têm os vossos sapatos?

_Depende da forma como é tratado mas duram anos. Há dias recebemos para reparação um sapato que tinha vinte anos. Quando muito será preciso mudar de sola ao fim de cinco ou dez anos. Mas nem isso é complicado porque o nosso sapato tem uma particularidade: para mudar a sola não é preciso desfazer a peça.

Que cuidados se deve ter com os sapatos?

_Nunca o usar mais do que duas vezes por semana e usar apenas cera de abelha. O forro deve respirar e secar ao natural para não perder qualidades.

Impõe condições de venda aos clientes? Por exemplo, um sapato vosso pode ir para saldo?

_As regras estratégicas são comunicadas aos agentes em reuniões periódicas. Admitimos que no final da época um sapato possa entrar em promoção mas há regras. Assim como temos atenção aos pormenores dos nossos sapatos, também temos muito cuidado com a imagem da nossa marca.

Impõem uma margem de lucro?

_Aconselhamos uma margem de lucro.

As embalagens são escolhidas por si?

_Por mim depois de ouvir os estilistas e os agentes. Com o produtor estuda-se o modelo e o papel. No final, tiramos as nossas ilações avaliando todas as componentes: imagem, custo, qualidade.

Quanto custa à empresa uma caixa para uns sapatos de cinco mil euros?

_Depende, também neste aspecto damos uma atenção especial pois o nosso cliente gosta de ter os seus sapatos bem acondicionados. É uma caixa rica em sobriedade e muita elegância. Somos um fabricante que consome as melhores caixas do melhor fornecedor da Península Ibérica - a fábrica portuguesa Cartonagem Trindade.

Que planos traça para a Zarco?

_O plano está traçado desde sempre assim: manter o empenho, a exigência, a dedicação e o bom senso. Temos a ambição de abrir uma loja em Paris, que é uma janela para o mundo. E outras novidades surgirão. Neste momento estamos a procurar mercados alternativos à Europa e já conseguimos alguns. Agora há que consolidar esse esforço e depois, quando entrarmos em velocidade de cruzeiro, avaliaremos novos passos. Eu gosto de focar e não de dispersar.

E não pensam investir no sapato feminino de luxo?

_Temos um produto para mulher, um sapato com um toque masculino mas, em resposta a pedidos de clientes, começámos agora a apostar em novos produtos mais femininos. Embora um dos novos modelos criados tenha salto, a escolha dos materiais usados para o público feminino torna-os mais próximos do informal. Um dia poderemos pensar mais no sapato de luxo. Mais uma vez, não queremos dispersar energias.

Quanto investe em publicidade? O luxo necessita de campanhas agressivas?

_Investimos por vezes mais do que seria suposto, mas este é o senão de construir uma marca. Tem um investimento muito alto. As marcas de luxo investem milhões, nós é que não damos por isso porque geralmente fazem-no na gama média. E a alta sente o peso dessa publicidade por acréscimo. A nossa maior publicidade é estar à venda em grandes casas e através dos nossos clientes.

A que deve o sucesso?

_À ambição e à força de vontade. Ao bom senso, também. Valores que procuro passar para a minha filha que trabalha aqui comigo. Está a construir o seu caminho. Todos os dias é preciso praticar. E querer muito. Parece-me que herdou a minha resiliência e isso é produtivo.

Como patrão, gosta de delegar?

_Não sou um ditador. Mas apesar de termos em todos os setores pessoas responsáveis, o último «toque» é sempre nosso. E aqui todos os dias há um acontecimento. Bom ou mau. Sei que já dei alguns passos no sentido de delegar, mas são passos difíceis pois tenho de confiar muito para o fazer. Mas já consigo delegar várias coisas.

Quantas horas diárias trabalha?

_Oito a dez. Muitas vezes com muito stress. Os médicos dizem que o stress faz mal mas eu pergunto-lhes como posso eu não ter stress. Duas vezes por semana, tenho as minhas aulas com um personal trainer, tento manter-me saudável, mas não é fácil nestes tempos ter uma vida calma. Felizmente, consigo conciliar com a minha filha no sentido de um de nós estar sempre na empresa.

Em que trabalhavam os seus pais?

_O meu pai fazia chapéus e minha mãe foi sempre doméstica. Gente humilde, honesta, que dentro das suas possibilidades me deu tudo. Sou grato pelos valores que me deram.

Chegou a esta empresa com 14 anos como empregado de escritório. Quem era esse miúdo?

_Nasci num meio de pessoas humildes mas a minha cabeça não estava lá. Lembro-me de sentir um desassossego que mais tarde percebi ser ambição. Perguntava-me muitas vezes por que motivo uns tinham e eu não. E pensei sempre que haveria de conseguir. Senti sempre essa força. Nasceu comigo. A ambição acompanha-me desde os 10 anos. Queria ganhar dinheiro, ser alguém. Hoje olho para trás e sinto que realizei esse sonho.

E 45 anos depois quem é o dono da Zarco?

_Uma pessoa simples que encontra um grande prazer na vida familiar. Se os meus estão bem, eu estou em paz. E isso é quanto me basta.

Consegue resumir a sua ascensão na empresa?

_Com 14 anos fui trabalhar para os escritórios mas sempre que podia fugia para a parte fabril. Gostava de embalar os sapatos. Conseguia tê-los na mão já prontos e admirava-os como se fossem arte. Com 17 anos passei a atender clientes e pouco depois passei a vendedor. Como não tinha carta ia de táxi ou de camioneta com atados de caixas que me marcavam os dedos. Corri o Norte: Bragança, Guimarães, Porto. Também ia a Leiria. Muito cedo comecei a ter muito sucesso nas vendas, a subir na empresa, e mais tarde acabei por negociar com os sócios e comprar a empresa. E já na altura a minha vocação era para fazer Rolls Royce.

Correu muitos riscos como empresário?

_Ser empresário é estar permanentemente sentado num barril de pólvora. Corri vários riscos, os maiores nos inícios dos anos 1990. Foram anos de muito risco e preocupação. Foi preciso investir em máquinas, em formação, e tudo isso implicou um investimento enorme. Um empresário não tem descanso se quer ter sucesso. O trabalho é diário. A responsabilidade perante os colaboradores é também um peso grande.

Deixou de estudar no ciclo preparatório. Nunca pensou regressar à escola?

_Quando pensei nisso já era tarde. Fiquei-me pela aprendizagem do francês e do inglês por evidentes razões profissionais.

Que relação tem com os sapatos?

_Olho para eles de uma forma profissional mas também com paixão.

Quantos sapatos tem?

_Não sou a Imelda Marcos mas tenho vários pares. Uns 15, talvez.

Marcas favoritas?

_Eu nunca usei um par de sapatos que não fosse feito por nós.

Quantos sapatos deve ter um homem no armário?

_Para uso no trabalho uns cinco pares, no mínimo. Não é aconselhável usar os mesmos sapatos dois dias seguidos. Depois, temos de ter sapatos para todas as outras ocasiões.

Que importância dá à imagem?

_Dou muita importância, desde miúdo. Na altura não tinha dinheiro mas já tinha a preocupação de me apresentar decentemente. Hoje, infelizmente, a minha roupa não é nacional. Compro sobretudo em Itália e Paris. Os meus netos dizem que sou vaidoso.

Para além da roupa, em que gosta de gastar dinheiro?

_Em poucas coisas. Não tenho vícios. Não sou homem de casinos nem coleciono carros ou relógios. Gosto de comer bem, de estar numa mesa bem-posta, gosto de copos de cristal, de guardanapos de qualidade, gosto de pormenores.

O que é para si luxo?

_É o bem-estar. Estou a construir a minha casa num lugar de que gosto muito. E luxo é estar com a família. De vez em quando tenho umas paixões - cheguei a ter um cavalo de competição, por exemplo -, mas depois passam.

Tem 59 anos. A reforma ainda é um luxo?

_Hoje não me falta nada e bastava-me o dinheiro que ganhei nos últimos dez anos para estar bem sem trabalhar. Mas optei por investi-lo na empresa. Talvez daqui a cinco ou dez anos seja tempo de me retirar. Não sei, talvez fique como consultor. Há quem diga que sou viciado nesta empresa. Se calhar sou. De qualquer forma, virá um tempo em que poderei fazer, mais regularmente, uma das coisas que me dão muito prazer - ir com os meus netos de férias, comprar-lhes roupa, tratar deles. E viajar. Gosto muito de conhecer outros países.

E a sucessão já está assegurada?

_Sempre foi minha intenção procurar seguidores na família. A minha filha está numa fase adiantada do teste e se ela quiser, ficará com a responsabilidade. Ela sabe que é enorme. É uma enorme responsabilidade familiar.

Enviuvou muito cedo. Foi difícil ser pai e mãe de três filhos?

_Comecei a namorar com a minha mulher tinha ela 14 anos e eu 17 anos. Três anos depois casámos. Aos 21 já tinha um filho. Ela morreu com 39 anos. Nunca se pode esquecer quem se conheceu com 14 anos. A saúde é um luxo, isso sim. Neste momento, tenho uma filha a atravessar um momento mau de saúde. Por ela venderia tudo e recomeçaria de novo.

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